sexta-feira, 15 de junho de 2012

A parede de cristal (capítulo 4)


Oi gente! Estou trazendo hoje mais um capítulo de A parede de cristal, desfrutem!




Capítulo 4 – Soldados e cientistas


A viagem espacial transcorria de modo tranquilo. Exception se movia através do vazio que a sugava como num tornado escuro. Os cientistas não estavam nem um pouco entediados. Alguns observavam com muito interesse aquela escuridão, outros faziam registros e cálculos em seus computadores. Os únicos que pareciam estar se sentindo “fora do lugar” eram os soldados que faziam parte do esquadrão do General Wolf Callender. 

Três soldados estavam sentados em um local mais isolado da nave. Eles, juntamente com outros soldados, mantinham certa distância dos cientistas e suas máquinas. 

-Há quanto tempo estamos aqui? –perguntou Sheldon, um jovem soldado americano de 26 anos. 

-Cerca de treze horas... -respondeu Krzystof, um soldado russo de 30 anos de idade e cabelos quase grisalhos. 

Sheldon era o queridinho do esquadrão, sempre muito educado e exageradamente gentil para um soldado de seu escalão. Formado em letras e especializado em Linguagem de sinais (Libras), tinha uma noiva com deficiência auditiva chamada Hanna, com quem pretendia se casar quando voltasse da missão. Já Krzystof, aparentava ser muito mais maduro para sua idade, porém solitário. Um homem centrado e disposto a cumprir todas as ordens que fossem estabelecidas pelos seus superiores, com a exceção de que elas fossem contrárias a seus princípios, algo que ele mais prezava. Ambos estavam extremamente entediados. 

-Queria saber por que meu relógio não funciona... Ele é novinho, comprei há dois dias! -resmungou Horácio, um soldado mexicano, meio baixinho e marrento. 

Horácio era pai de cinco filhos e morava na fronteira do México com os Estados Unidos. Sua esposa era dona de um restaurante popular e os dois não se falavam há quase dois anos. 

-O meu também não funciona... -completou Sheldon, dando batidinhas em seu relógio de pulso. 

-Eles não funcionam aqui... -respondeu Krzystof com um olhar de superioridade. 

-Hã? Porque não?-perguntou Horácio, segurando os pedaços do relógio que ele acabara de desmontar. 

-E se eles não funcionam aqui, como é que você sabe que a viagem até agora durou treze horas? –perguntou Sheldon meio desconfiado, ajeitando seu uniforme de cor espelhada. 

- Parem de me fazer perguntas! Se querem saber de alguma coisa, perguntem a ele!-resmungou Krzystof, apontando para um rapaz magro de óculos retangulares, provavelmente de origem asiática. 

-Mas... Ele é um cientista, não falamos com cientistas!-resmungou Horácio irritado, ainda tentando juntar os pedaços de seu relógio. 

-Isso é bobagem! Foi ele que me disse que estamos aqui há treze horas!-replicou Krzystof. 

O jovem cientista de óculos retangulares estava concentrado em frente ao seu computador, parecia preocupado e ao mesmo tempo entusiasmado. 

-Sabe o nome dele? –perguntou Sheldon, olhando curioso para o cientista. 

-Sei sim, é Hiroshi, ele é nipo-americano. –respondeu Krzystof, e em seguida soltou um bocejo alto. –Você vai falar com ele? 

-Vou sim. Estamos indo para um planeta desconhecido e tudo o que sabemos é que estamos dentro de um buraco negro, algo que eu nem mesmo sei o que é! Precisamos de mais explicações!- respondeu Sheldon, levantando-se e indo em direção a Hiroshi. 

-Ei, espera aí! Não falamos com cientistas! –grasnou Horácio, e imediatamente segurou o braço de Sheldon. 

-Essa rixa entre soldados e cientistas já deveria ter acabado! Já se passaram 19 anos! –replicou Sheldon, irritado com Horácio. 

-Você sabe muito bem o que eles fizeram! Os cientistas chineses em parceria com centenas de outros cientistas espalhados ao redor do mundo quase destruíram o que restou da Terra! -falou Horácio, apertando ainda mais o braço de Sheldon. 

-Era uma guerra! E no final das contas, os americanos ganharam, não é verdade?-grasnou Sheldon, tentando se desvencilhar de Horácio. –Solte-me! Não vai conseguir me deter! Eu sei que você também quer explicações! 

Horácio finalmente desiste, largando o braço de Sheldon. Mesmo irritado, ele resolve acompanhar seus amigos até o outro lado da nave, onde se encontrava Hiroshi. 

Cuidadosamente, os três soldados se aproximaram do jovem cientista asiático. 

-É... Bem, nós... Nós... -gaguejou Sheldon, enquanto Hiroshi o encarava mostrando-se muito interessado no que os três homens desajeitados à sua frente tinham a dizer. 

-Com licença, lembra de mim? – perguntou Krzystof, tomando a frente da conversa, já que Sheldon estava nervoso demais para completar uma frase. -Você me disse ainda há pouco que fazem treze horas que estamos nessa viagem, mas não me disse como sabe disso, apesar de ter falado que os relógios não funcionam aqui... –disse Krzystof, sério e decidido. 

-Ah! Então é isso! Ufa! –suspirou Hiroshi aliviado. -Por um momento fiquei preocupado achando que havia acontecido alguma coisa ruim! Deixe-me tentar explicar... -Hiroshi pareceu se esforçar para encontrar palavras adequadas que pudessem ser compreendidas pelos três soldados. -Bom, os relógios não funcionam aqui por que... Na verdade, eles estão funcionando perfeitamente bem! 

-Hã? Como assim?-perguntou Horácio, confuso e desdenhoso. 

-Desculpe, é que... Deixa eu tentar explicar melhor: Bom, eles funcionam sim, mas como estamos viajando através do tempo e espaço, é como se um único segundo durasse milhões de anos... Se fôssemos contar pelo relógio normal, estamos aqui a 17 milhões de anos, Entendem?-disse Hiroshi meio desconsertado. 

-Não. -respondeu Horácio secamente, pronto para voltar imediatamente à “ala” dos soldados e acabar com aquela palhaçada. 

-Entendi!-respondeu Sheldon entusiasmado. -Então é como se o tempo estivesse correndo muito rápido, por isso os relógios não funcionam, é como se a velocidade da nave fosse tão grande que o tempo para chegarmos ao nosso destino não pode ser cronometrado! 

-É exatamente isso! Ufa! Já estava achando que seu amigo iria me bater! -falou Hiroshi, olhando amedrontado para Horácio, que matinha sua expressão de desgosto. 

-Eu sei que estamos incomodando, mas... Você poderia nos dizer o que está fazendo?-perguntou Krzystof, olhando para as inúmeras equações impressas no computador. 

-Ah! Está falando disso?-perguntou Hiroshi, apontando para o monitor. –Estou verificando todos os sistemas de segurança de Exception, inclusive o escudo eletromagnético e o escudo de invisibilidade... É claro que só iremos utilizá-los quando chegarmos a Babylon, mas é sempre bom verificar se tudo está funcionando direitinho! -completou Hiroshi, ajeitando seus óculos retangulares que estavam escorregando pelo nariz. 

-Podemos nos comunicar com alguém da Terra através de algum desses sistemas?-perguntou Krzystof. 

-Infelizmente não, o buraco negro nos isola de tudo o que pode ser considerado como “matéria”. –respondeu Hiroshi. 

-Você ainda não nos disse como consegue saber a quanto tempo estamos aqui! –replicou Horácio, meio enciumado pelo fato de que seus companheiros estavam muito interessados no que o cientista estava dizendo. 

-Ah, é claro, já ia me esquecendo! Desculpe por isso, é que sou meio avoado! –respondeu Hiroshi envergonhado. -Bom, temos um sistema hidrodinâmico, mais precisamente, temos um relógio d’água bastante complexo! 

-Relógio d’água? –perguntou Sheldon entusiasmado. 

-Querem ver? –perguntou Hiroshi, apertando uma tecla que fez a tela do monitor se tornar completamente azul. 

Os três soldados, inclusive Horácio, acabaram se rendendo à personalidade animada e humilde de Hiroshi. Além do mais, o jovem cientista era muito inteligente e explicava as coisas de um jeito bastante didático, sempre se preocupando com a compreensão daqueles que estavam ouvindo-lhe. 

Os quatro rapazes conversaram por bastante tempo, gesticularam e se mostraram verdadeiramente interessados no que cada um tinha a dizer. Até mesmo Horácio foi capaz de soltar uma risada com as tentativas frustradas de Hiroshi de explicar o que era um buraco negro. 

-Quer dizer que não é um buraco de verdade? –disse Sheldon, admirado. 

-Você não estudou física quando estava no ensino médio? –perguntou Hiroshi com uma expressão indignada. 

-Está o chamando de burro? – falou Krzystof, com um sorriso zombeteiro no rosto. 

-Sheldon, bate nele! – falou Horácio em tom de brincadeira. 

-NÃO! Por favor, não me leve a mal! Eu não quis dizer isso, me desculpe! Por favor! –grasnou Hiroshi completamente desesperado. 

Os três soldados entreolharam-se e depois começaram a gargalhar. 

-HAHAHAHAHA! Como você pode ser tão medroso! Acha mesmo que vamos bater em você só por causa disso? Calma cara! Não precisa ficar desesperado desse jeito! Você é muito estranho! –falou Horácio enquanto ria descontroladamente. 

Os rapazes continuaram sua conversa. Estavam tão distraídos que não perceberam a aproximação repentina de três homens, dois mais velhos e um mais jovem. Eram eles: Grell Mozart, Wolf Callender e Peter Lidberg. 

-Soldados e cientistas juntos! Se me contassem eu não acreditaria!- disse Grell Mozart com seu tom de voz altamente enérgico, irritante e entusiástico. 

-Que besteira, Grell, eu sou um soldado também, esqueceu? –replicou General Wolf, soltando umas risadinhas. 

-Desculpe, acho que acabei me esquecendo desse pequeno detalhe! Hahahahaha! –brincou Mozart. -Mas deixemos as piadas de lado, viemos aqui para apresentar o menino prodígio ao meu braço direito! 

Hiroshi ficou muito envergonhado quando Mozart o chamou de menino prodígio. O jovem cientista se encolheu como se quisesse evaporar naquele espaço vazio do universo. Sheldon, Krzystof e Horácio apenas prestavam atenção sem entender o que estava acontecendo. 

-Hiroshi, meu menino prodígio, quero apresentá-lo ao meu braço direito, Peter! –falou Grell, aproximando os dois para que pudessem apertar as mãos um do outro. 

-Muito prazer em conhecê-lo, sou Peter Lidberg! -disse o rapaz num tom cordial nada espontâneo. 

Peter era um jovem rapaz de feições suaves, porém seu olhar de superioridade e arrogância denunciava sua verdadeira personalidade fria e calculista. Ele era o mais jovem físico nuclear de Smart City, e também o braço direito de Grell Mozart. 

-Ah, o prazer... O prazer é todo meu, eu sou... Sou Hiroshi Sasaki!- cumprimentou o jovem cientista asiático gaguejando de nervosismo, e apertando a mão de Peter, que já estava estendida em sua direção. 

-Peter, acho que você ficará muito animado em saber que Hiroshi também é um físico nuclear! E, além disso, ele é o cientista mais novo e mais inteligente a bordo dessa nave, nós o trouxemos da agência espacial do Japão especialmente para construir o escudo de invisibilidade de Exception!-disse Mozart orgulhosamente. 

Peter sorriu falsamente para Hiroshi. Ele não estava “animado”, pelo contrário, estava com inveja de todo aquele alvoroço causado por alguém que poderia ser considerado seu rival, afinal, Grell estava entusiasmado demais com o “garoto prodígio”, por isso, ele deveria tomar cuidado ou acabaria perdendo sua posição. 

-Sério? Que maravilha! Quantos anos você têm?-perguntou Peter, fingindo interesse no rapaz. 

-Tenho 19 anos... -respondeu Hiroshi encabulado. 

-Wow! – exclamou Peter falsamente. 

Ao ouvir essas palavras, os três soldados entreolharam-se assustados. Cada um deles estava pensando exatamente a mesma coisa: Há pouco, eles estavam conversando tranquilamente e de maneira informal com uma das pessoas mais importantes daquela nave! E o pior de tudo, ele só tinha 19 anos! 

Enquanto os soldados permaneciam em silêncio e de boca aberta, Grell continuou suas apresentações: 

-Peter é o irmão mais novo de Marcus, o assistente júnior do chefe do departamento em Smart City... Esses dois são os irmãos mais competentes que eu já tive o prazer de trabalhar! 

-Não precisa exagerar! -disse Peter, tentando mostrar alguma modéstia. –E é melhor o senhor não se esquecer de Joanna, ela acabou de ser transferida do centro de pesquisa biológica de Nova York para Smart City! -completou. 

-É verdade, por um momento esqueci-me de sua irmã Joanna, como pude! Você e Marcus devem estar muito orgulhosos dela, afinal, só os melhores cientistas do mundo conseguem uma vaga em Smart City!-disse Grell, fingindo constrangimento. 

-Sim, de fato estamos muito orgulhosos de nossa irmã. Joanna sempre sonhou em trabalhar em Smart City, é quase um milagre finalmente ter surgido uma vaga em sua área, e isso só aconteceu porque que um dos membros resolveu se demitir e trabalhar para a NASA. –explicou Peter, com um olhar distraído. 

-E convenhamos, não foi um bom negócio para esse membro, afinal, a NASA está quase falida! Hahahaha!-debochou Mozart. – Mas voltando ao que interessa, devo dizer que, infelizmente, Peter estava viajando quando foram feitos os últimos ajustes em Exception, inclusive quando foi instalado o escudo de invisibilidade. Por isso não tive oportunidade de apresentá-los antes, mas ficaria realmente feliz se vocês dois se dessem bem!-continuou Mozart, encarando Hiroshi e depois sorrindo para Peter. 

Enquanto Mozart falava dos grandes feitos de Peter e, ao mesmo tempo, contava a ele as façanhas do garoto prodígio Hiroshi Sasaki, os três soldados, que ficaram avulsos na conversa, apena cochichavam entre si, sendo observados por general Wolf, que também se mantinha um pouco isolado dos diálogos. 

-Acredita mesmo que esse garoto construiu um escudo de invisibilidade?-perguntou Horácio, com uma expressão de desdém no rosto. 

-Bom, ele já nos provou que é bastante inteligente... -respondeu Krzystof. 

-Talvez ele seja um gênio ou coisa parecida. -completou Sheldon. -Vai saber né... 

-Algum de vocês conhece esse tal de Peter, ou então esse Marcus?- perguntou Horácio, observando atentamente a expressão convencida de Peter, que sorria de um modo superficial. 

-Já ouvi falar... Marcus é o braço direito do chefe do departamento de investigação e desenvolvimento de estruturas espaciais. –disse Krzystof, sempre mantendo seu tom sério de superioridade. 

-Não acha que esse Peter é bastante convencido? Olha para ele, todo pomposo na frente do doutor e do general!-resmungou Horácio, fazendo cara feia. 

-Você nem o conhece direito e já está falando mal dele!-reclamou Sheldon, olhando de modo irritado para o soldado. 

Grell Mozart, general Wolf e Peter finalmente resolveram se despedir e caminharam de volta aos seus lugares, deixando Hiroshi e os três soldados a sós. Hiroshi pareceu aliviado quando os viu se afastando em direção a segunda ala dos cientistas. 

-Menino prodígio, hein? –zombou Horácio, ao mesmo tempo em que recebia os desafetos de Sheldon, que reclamava de sua falta de respeito para com o rapaz. 

Hiroshi permaneceu calado por um tempo, sentindo-se constrangido e extremamente envergonhado. 

-Desculpe por essa cena toda, o Doutor Grell tem essa mania de me chamar de garoto prodígio. –explicou Hiroshi, quase sem voz. 

-Se foi você mesmo que criou o escudo de invisibilidade, então é realmente um gênio! Grell tem toda razão em chamá-lo de garoto prodígio! -falou Sheldon, mostrando-se indiscutivelmente admirado com a genialidade do rapaz. 

Enquanto os quatro rapazes continuavam conversando (e Hiroshi sendo chamado de garoto prodígio por Horácio o tempo todo), bem longe dali, muito distante daquele buraco negro, encontrava-se o planeta terra, e nele, localizado no coração do Texas, estava Smart City. 

Já eram quase duas horas da madrugada. David dormia em seu quarto, e na cama ao lado, Erin também dormia tranquilamente. Ao contrário de Erin, David virava-se de um lado para outro, não conseguia ficar quieto nem por um momento, estava ofegante, parecia estar tendo um pesadelo. 

Um lugar nublado e frio. Sem saber o que fazer e totalmente angustiado, David tentava enxergar algo que pudesse lhe fornecer pistas de onde ele se encontrava. Olhava para todos os lados, não conseguia ver absolutamente nada através de toda aquela névoa, porém, arriscou dar um passo adiante e acabou tropeçando, caindo dentro de um lugar molhado. O barulho da água se espalhando ecoou pelo vazio. “Será uma piscina?”, ele pensou, “Ou será um reservatório de água?”. David estava afundando, tentou nadar, mas seus braços e pernas pareciam muito mais pesados do que o normal. Aos poucos, foi afundando mais e mais, seus pés não chegaram a tocar o chão, porém a profundidade do reservatório era grande e a água começou a cobrir seu rosto. David já não conseguia mais respirar, estava se afogando e o desespero tomou conta de si. 







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