Aviso 1 - O capítulo 1 de "A parede de cristal" já foi reformulado, então, quem quiser lê-lo, basta clicar no link abaixo:
obs: As mudanças não foram drásticas, na verdade, foram apenas "acréscimos" para complementar a história (principalmente no que diz respeito a descrição dos personagens).
Ele continuava lá, estático, frio e em silêncio. Era o momento de agir. Se eu corresse o mais rápido que pudesse, talvez ele não me alcançasse. Não custa nada tentar – pensei. Dei um pequeno e silencioso passo para trás, como uma presa tomando cuidado para não alertar seu predador. Mas isso foi em vão. A audição daquela criatura era aguçada demais e assim que ele ouviu o meu movimento, correu em minha direção. Em milésimos de segundo, já estávamos muito próximos. Não consegui correr. Ele pulou em cima de mim e tudo o que eu consegui sentir naquele momento foi à dor lancinante em minhas costas, que bateram contra o chão da viela violentamente. Seus joelhos pressionavam as minhas pernas e suas mãos apertavam meus pulsos contra o chão. Usei todas as minhas forças para tentar me libertar, porém, tudo foi inútil.
-Solte-me! Solte-me! – implorei ofegante, tentando empurrá-lo para longe de mim.
O homem continuou me imobilizando e aproximou o seu rosto do meu. Pela primeira vez, fui capaz de ver sua face com clareza. Tão jovem e belo. Era um rapaz asiático, tinha a pele um pouco morena e um olhar penetrante, que demonstrava uma ferocidade instintiva. Estava ofegante. Sua boca era pequena, mas assim como uma fera faminta, ele escancarava os dentes de uma forma ameaçadora. Por um breve momento, me passou pela cabeça que ele pudesse ter os dentes caninos avantajados, assim como os vampiros que se vê na televisão. Mas não havia nada de diferente. Era apenas um homem comum com uma personalidade demoníaca. Porém, algo me chamou a atenção naquela aparência. Não só pelo seu rosto bonito, mas também pelo seu corpo atraente. Seus braços eram fortes, e através da camisa parcialmente desabotoada e molhada da chuva, podia-se ver seu abdômen altamente definido. Seus cabelos eram lisos e por cada mecha escorriam pingos de chuva, que caíam mornos sobre o meu rosto como se fossem lágrimas. Ele me olhava com uma expressão rancorosa, cheia de conflito. Por quê? Meu coração batia forte e descompassado. Talvez, por estar com os sentidos tão aguçados quanto os dele, consegui sentir uma leve fragrância de lavanda que emanava de seu corpo.
Depois de tentar inúmeras vezes me desvencilhar das “garras” daquele predador, finalmente desisti de lutar. A exaustão tomou conta de mim. Agora, só me restava esperar que ele tirasse a minha vida, assim como fez com o homem que carregava as joias. Para minha total surpresa, a expressão feroz e assustadora do meu algoz foi desaparecendo aos poucos, dando lugar a uma nova expressão, que para mim, não fazia o menor sentido, já que ela estava cheia de pesar e dor. Uma sensação estranha invadiu minha alma naquele instante. Olhar nos olhos daquele homem era como mergulhar num poço profundo, capaz de deixar qualquer ser humano em total desespero. Porém, eu queria muito explorar aquele poço e essa sensação me deixou fascinada. Era a primeira vez que eu sentia algo tão apavorante e tentador ao mesmo tempo. Conflito. Um sentimento conflitante dentro de mim.
Aos poucos, ele afrouxou os dedos cravados em meus pulsos. Fiquei completamente surpresa. Ele não vai mais me matar? – pensei. O rapaz-demônio se levantou e eu senti um grande alívio sobre as minhas pernas, que já estavam dormentes por causa do peso que ele fazia sobre mim.
Mesmo estando livre, ainda não conseguia me mexer. Apenas fiquei quieta e muda, enquanto ele me encarava pela última vez e depois simplesmente se afastava e desaparecia na escuridão. Ainda deitada no chão, a única coisa que eu conseguia pensar naquele momento era: “Que diabos foi isso?”.
Finalmente consegui me levantar meio desengonçada, ainda com as pernas dormentes, pálida e com o coração a mil. Toda aquela adrenalina me fez se sentir aquecida, mesmo com o frio insistente da chuva, que naquele instante permanecia amena, simplesmente uma neblina sussurrante. Dobrei na curva da viela, e por sorte, dei de cara com a estrada, que de agora em diante me levaria a salvo de volta para casa.
Enquanto andava, sentia meu coração ainda batendo forte contra o peito. Não sei exatamente o que estava sentindo naquele momento, talvez um pouco de medo, ansiedade, exaustão. Porém, havia um sentimento predominante que insistia em me atormentar: fascínio. A vontade louca de conhecer a fundo o rapaz que me atacou e depois me deixou ir embora sem mais nem menos. A vontade incontrolável de saber qual o verdadeiro significado daquele olhar. O que ele era afinal? Um vampiro? Tipo aqueles que aparecem nos filmes? Por que ele matou aquele homem? Comecei a me sentir frustrada ao saber que as minhas perguntas não seriam respondidas. Olhei para trás na esperança de ver algo incomum. Mas o que eu estou fazendo? –perguntei a mim mesma. Depois de tudo o que aconteceu, eu quero vê-lo de novo? Só posso estar ficando louca. Talvez o choque de ver uma pessoa sendo assassinada na minha frente e depois o assassino pulando em cima de mim como se quisesse me devorar viva tenha me deixado com a sanidade mental abalada.
Não demorou muito até que eu avistasse o ponto de ônibus há uns 50 metros de distância. Era como enxergar a realidade no meio do sonho confuso em que eu me encontrava. Corri. Cheguei ofegante à parada. Era como se meu chão tivesse voltado para debaixo dos meus pés.
Esperei uns dez minutos até que o ônibus da meia-noite chegasse. Ao abrir a porta, o motorista me olhou com uma expressão incrédula, e depois de olhar para os meus pulsos quando segurei o corrimão fino da porta e adentrei no ônibus, ele voltou a me encarar de um jeito preocupado. Fiquei intrigada. Olhei para os meus pulsos e vi que eles estavam marcados. Droga! Como não percebi isso antes? E agora, como vou explicar isso para minha mãe? É provável que ela nunca mais me deixe ir para a universidade sozinha. Caminhei até o fundo do ônibus e me sentei numa poltrona vazia, ao lado da janela, ela estava tão quentinha e aconchegante que eu acabei cochilando um pouco.
A mulher que me deu a luz se chamava Park Jin Ah. Super-protetora, extremamente sensível e temperamental, minha mãe sempre cuidou de mim, e mesmo quando eu ia passar as férias na casa de meu pai, ela me ligava três vezes por dia e não sossegava até que eu voltasse para debaixo de sua asa sã e salva.
Meus pais se divorciaram logo depois que eu nasci. Na verdade, tudo começou quando minha mãe contou ao meu pai que estava grávida de mim. Empolgada e radiante, ela achava que meu pai iria pular de alegria quando soubesse de sua gravidez. Porém, não foi exatamente isso que aconteceu. Meu pai estava prestes a conseguir um emprego de engenheiro de campo, por isso, ele ficou furioso quando soube da “novidade”. Naquele momento, eles não poderiam ter filho algum, pois viveriam se mudando de um lugar para outro, sem residência fixa. Minha mãe ficou tão indignada que logo depois do meu nascimento, ela pediu o divórcio.
Yoon Ju Moon, o homem que me deu seus genes, é um pai animado, caloroso e simpático. Quando minha mãe pediu o divórcio, ele ficou muito chocado e implorou dia e noite pelo seu perdão. Ele explicou que mesmo tendo dito que não queria um filho, sua opinião mudou quando me viu pela primeira vez e me colocou nos braços. Ele percebeu que eu era como um tesouro inestimável, a filhinha que ele amava com todo o seu coração. Porém, minha mãe estava muito magoada e também muito mais sensível do que de costume, por isso, ela não aceitou as desculpas e até hoje ainda guarda mágoa de seu ex-marido.
Resumindo a história: Eu fui a culpada pela separação dos meus pais, e isso aconteceu antes mesmo de eu nascer. Felizmente, nenhum dos dois me culpava pelo fim de um romance que durou 17 anos. Mas a verdade é que, se minha mãe não tivesse sido tão cabeça dura e meu pai não tivesse desistido tão rápido e se casado novamente três meses depois, minha família ainda estaria inteira.
Atualmente, eu moro sozinha com a minha mãe, enquanto meu pai mora em Seul, junto de sua esposa e seus outros dois filhos. Depois de muita insistência, meu pai conseguiu fazer com que minha mãe permitisse minha viagem à sua casa nas férias de verão. Sempre que eu ia para lá, era recepcionada de um modo caloroso pela esposa de meu pai e pelos meus meio-irmãos. Os quatro viviam como uma família feliz. Sempre que eu voltava para minha casa depois das férias, me sentia renovada. Porém, algo que me chateava verdadeiramente era o fato de saber que quando eu chegasse em casa, minha mãe estaria esperando com milhões de perguntas sobre “a outra família”. Sinceramente, tenho quase certeza de que ela ainda é apaixonada pelo meu pai, porém, quando se deu conta disso, já era tarde demais e ele já estava casado novamente.
Nunca pensei em desfazer o que o meu nascimento provocou. Nunca odiei a mulher que vive com meu pai e muito menos destratei os meus irmãos. Ao contrario de muitos, eu acredito no destino. Acredito que certas coisas precisam acontecer.
Enquanto pensava em minha família e aprofundava mais o sono, recostada na poltrona ao lado da janela, meu subconsciente começou a falar mais alto. Transportei-me para um lugar extremamente amplo, sereno e acolhedor. O céu estava muito azul, e havia poucas nuvens, que deixavam o sol livre para iluminar as ervas campestres. Um cheiro suave e refrescante de lavanda se espalhava por todo aquele lugar, era como estar no mais puro paraíso. Os mais lindos campos de lavanda. Porém, algo estava faltando. Esforcei-me para lembrar do que eu sentia falta, mas à medida que minha mente tentava alcançar alguma memória perdida, ela também começava a se afastar daquele lugar. Minha vista ficou embaçada e de repente uma pequena luz foi surgindo até que meus olhos finalmente se abrissem. Aquilo tinha sido apenas um belo sonho, e por algum motivo eu fui trazida de volta à realidade.
Vi a luz fraca do celular no bolso da frente do meu casaco. Eu o tinha colocado no modo silencioso, mas a luz piscava indicando uma chamada. Esfreguei os olhos e tentei colocar a visão em foco, depois disso tirei o celular do bolso e quando olhei para a tela, tomei um susto.
-DEZ CHAMADAS NÃO ATENDIDAS? – falei em voz alta, fazendo com que as duas pessoas que estavam sentadas do lado oposto do ônibus me encarassem de um modo repreensivo.
Droga! Minha mãe definitivamente vai me matar quando eu chegar em casa. Talvez antes de me matar, ela caia em prantos dizendo que eu a fiz ficar doente de tão preocupada e que ela já estava pensando em me procurar num necrotério. Ela é muito dramática, e é nessas horas que eu me dou conta de que meu pai fez o certo em se casar com outra pessoa.
Respirei fundo e tomei uma decisão: Vou ligar para ela.
Apertei o botão “atalho” que ligava direto para o telefone residencial de minha casa, e esperei que a voz embargada da minha mãe atendesse.
-Alô? Filha... é você? –ela atendeu, já demonstrando sinais de choro.
Resolvi responder rápido e num só rosnado:
-Sou eu, mãe. Só liguei pra dizer que estou bem e que vou chegar em menos de dez minutos. Quando eu estiver aí, explico o motivo do meu atraso. Tchau.
-Mais filha, eu q...
Desliguei o telefone na cara dela. Sim, eu sou cruel. Porém, era verdade que eu chegaria em menos de dez minutos, então, para quê ficar dando explicações por telefone?
Não demorou muito e o celular voltou a piscar, anunciando uma nova chamada. Simplesmente ignorei. Minha mãe sabia exatamente o tipo de filha que tinha. Ela sabia muito bem da frieza que existia em mim. Porém, ainda restava uma questão pendente: Que desculpa vou inventar? Sim, pois de forma alguma poderia contar a verdade a ela. E mesmo que eu contasse, ela nunca acreditaria. Olhei mais uma vez para meus pulsos avermelhados. Era quase possível distinguir a marca dos dedos que outrora foram cravados neles com força.
Finalmente cheguei em casa. Abri o portão enferrujado, que fez aquele rangido de sempre, e mal adentrei a porta quando minha mãe me abraçou desesperada, deixando-me quase sem ar ao me agarrar pelo pescoço.
-Tae Hee! Você está bem? Está machucada? O que aconteceu? Já são quase uma hora da madrugada!
Permaneci calada, ouvindo suas perguntas desenfreadas. Ela me observava da cabeça aos pés, e quando pousou os olhos sobre meus pulsos, soltou um grito abafado.
-Meu Deus! O que aconteceu com seus pulsos minha filha? –perguntou ela, e seus olhos já estavam marejados.
A aquela altura do campeonato, eu já tinha pensado numa desculpa perfeita. Puxei minha mãe até o sofá da sala, e nós nos sentamos próximas.
-Mãe, hoje quando cheguei à faculdade, fui recebida com uma notícia muito triste.
-Notícia? Triste? –ela perguntou um pouco confusa, sem saber que relação isso poderia ter com as marcas nos meus pulsos.
-Meu professor de história contemporânea faleceu ontem à noite.
Minha mãe arregalou os olhos e pôs a mão na frente na boca, mostrando-se chocada.
-Oh meus Deus!
-Ele teve um ataque cardíaco quando estava sozinho em casa, isso foi muito triste. Todos ficaram comovidos com a morte dele. Assim que entrei na faculdade, vi Yo Jin em prantos.
-Pobre Yo Jin! E como ela está agora? –minha mãe perguntou, ela conhecia Yo Jin muito bem, e sabia que nós duas éramos melhores amigas.
-Acho que já deve estar melhor. Depois das homenagens prestadas ao professor Chun, nós ficamos um bom tempo lá no departamento de História, estávamos bastante abaladas. Por isso, eu acabei chegando muito atrasada no trabalho e depois tive que ficar até mais tarde, para compensar o atraso com hora extra.
Minha mãe não deve ter acreditado no “Estávamos bastante abaladas”, por que assim que eu falei, ela me mostrou uma cara de desconfiança (como eu disse antes, minha mãe conhecia a frieza que existia dentro de mim), porém, ela também sabia que eu e minha melhor amiga éramos completamente opostas, e que Yo Jin era o tipo de garota emotiva, sendo assim, provavelmente eu teria ficado consolando-a (o que não deixa de ser um pouco verdade) até o final da tarde.
-Você poderia ter pelo menos pedido um dia de folga! –ela reclamou, encarando-me com esperteza.
-Eu sei... Mas você também sabe que eu só falto o trabalho quando estou realmente doente.
-E o que aconteceu com seus pulsos? –ela insistiu.
Abaixei a cabeça e olhei mais uma vez para meus pulsos. Uma onda de frustração se espalhou sobre mim. Aquele rapaz havia me deixado uma marca, não só uma marca física, mas também uma marca em minha alma. Ele matou uma pessoa na minha frente e sugou todo o seu sangue. Aquilo ficaria guardado na minha memória para sempre, e por mais que fosse assustador, apavorante, nojento e cruel, não havia meio de arrancar aquele fascínio inescrupuloso que assombrava o meu ser.
-Um pequeno acidente de trabalho... – respondi, tentando disfarçar o nó na garganta que eu estava sentindo. - Acho que fiquei pensativa demais e acabei me distraindo na hora de preparar os pedidos dos clientes... Você sabe que eu não do tipo sentimentalista, mas é que talvez esse acontecimento tenha me pegado de surpresa...
Não sei ao certo qual foi o motivo, mas naquele momento minha voz começou a ficar embargada e meus olhos se encheram de lágrimas. Minha mãe ficou assustada ao me ver tão sensível daquele jeito.
-Tae Hee!
Ela me abraçou, e dessa vez foi de um jeito mais acolhedor. Enquanto me abraçava, minha mãe dizia palavras reconfortantes como “não fique assim, a morte faz parte da vida”. Porém, o que ela nem sonhava em saber era que eu não estava chorando pela morte do professor Chun, e sim pelo conflito de sentimentos que habitava a minha consciência naquele momento.
Pouco tempo depois já estava deitada em minha cama, tentando pegar no sono. Infelizmente não foi tão fácil assim. Passei algumas horas encarando o teto e em alguns momentos até conseguia ver olhos ferozes me encarando. Aos poucos a expressão feroz se enchia de pesar, transformando-se numa expressão confusa que ficou vagando pela minha mente, até que eu finalmente pegasse no sono.
No dia seguinte, fiquei em casa, pois não haveria aula por causa do luto. Minha mãe insistiu para que eu ligasse para a cafeteria avisando que não iria trabalhar por que estava doente. É claro que relutei, pois não queria ficar o dia todo em casa e se eu fosse trabalhar, talvez pudesse ter a oportunidade de encontrá-lo novamente (e era tudo o que eu queria), porém minha mãe, como era de se esperar, não me deu outra escolha e eu tive que ceder.
O dia passou rápido e logo a noite chegou. Na maior parte do tempo, fiquei vendo TV ou navegando na internet (e me peguei pesquisando “vampiros” no Google - isso foi uma coisa idiota). Resolvi ir dormir mais cedo, pois no dia seguinte teria minha rotina normalizada, acordando antes das seis da manhã e indo para a faculdade. Desta vez, o sono até que chegou rápido, e por algum motivo, voltei a ter o mesmo sonho que tive quando cochilei no ônibus no dia anterior: Campos de lavanda. E assim como da última vez, fiquei com aquela sensação de que algo estava faltando.
O despertador tocou. Levantei rapidamente da cama e fui tomar um banho que durou pouco mais de 5 minutos. Procurei uma roupa que eu não estivesse acostumada a vestir, e depois de vesti-la me senti como se fosse outra pessoa. Fiz uma trança simples nos meus cabelos (um penteado que eu nunca fiz em mais de dois anos de faculdade), por fim, desci as escadas e fui até a cozinha.
-Oi, filha! Acordou cedo hoje! –minha mãe disse, olhando para o relógio digital na parede da cozinha.
-Vou ajudar a senhora a preparar o café da manhã! – respondi, e ela me olhou de um jeito estranho, passando os olhos desde o topo da minha cabeça até as pontas dos meus pés.
-O que aconteceu com você hoje? Está tão diferente!
-Não aconteceu nada! Só resolvi mudar um pouco! Posso te ajudar a preparar o café da manhã ou não? Quatro mãos trabalham mais rápido do que duas!
Minha mãe me encarou como se não estivesse reconhecendo a própria filha. Ela apenas balançou a cabeça em sinal de aprovação, permitindo que eu a ajudasse a fazer a comida.
Depois de preparar um café da manhã farto e saudável, comi tudo sem pressa, apreciando o gosto de cada aperitivo. Minha mãe ficou me observando com uma expressão incrédula no rosto, pois eu sempre comia rápido e logo saía correndo rumo à parada de ônibus. Quando acabei de comer, apenas me levantei de um jeito bem preguiçoso e olhei para o relógio, que ainda marcavam seis e meia da manhã.
-Tenho que ir, senão chegarei atrasada... – falei, e minha mãe saiu de seu transe, assustando-se com a minha voz.
-Você sempre sai de casa às sete... – ela respondeu, olhando para o relógio novamente.
-E por isso sempre chego meia hora atrasada para a primeira aula. –retruquei, olhando para ela de um jeito sereno.
-Nossa, filha, eu não sabia disso!
-Tudo bem, não se preocupe, o professor só chega quase as oito mesmo... – falei, deixando escapar um sorriso e fazendo com que ela ficasse menos preocupada.
Passei pelo portão enferrujado e acenei para minha mãe. Ela, como sempre fazia, acenou de volta e me observou enquanto eu caminhava em direção à parada de ônibus.
“Pela primeira vez, eu senti que o destino estava me dando uma chance de fazer tudo diferente, de sair da rotina a qual eu me encontrava e viver uma vida muito mais emocionante.”
Cheguei à faculdade com um sorriso largo no rosto, cumprimentei o guarda, que se contagiou com o meu sorriso e também sorriu de volta, e logo entrei na minha sala, que não estava muito cheia, pois ainda eram sete e meia da manhã.
Yo Jin estava sentada no lugar de sempre, bem no centro da sala e exatamente de frente para a mesa do professor. Sentei-me ao lado dela e ela me olhou com uma expressão confusa no rosto.
-Quem diabos é você? – Yo Jin perguntou, fingindo que não me conhecia.
-Ah não! Até você vai ficar me olhando com essa cara? Qual o problema em mudar um pouco? –resmunguei, revirando os olhos e cruzando os braços.
-Não tem problema nenhum em mudar, a questão é que você NUNCA muda! É perfeitamente plausível que eu fique espantada com esse seu “novo” visual!
-Mas eu não fiz nada demais! Só estou usando uma roupa diferente e um penteado retrô!
-E isso com certeza foi um grande avanço! –ela riu. - Agora, me diz uma coisa, o que fez você mudar assim tão de repente?
-Não sei... Talvez os últimos acontecimentos...
Yo Jin e eu passamos alguns minutos conversando. É claro que eu não contei nada sobre o que tinha acontecido comigo no dia em que soubemos da morte do professor Chun. Quando nos demos conta, a sala já estava cheia e vários estudantes cochichavam entre si. Estranhei todo aquele alvoroço.
-O pessoal parece mais agitado hoje. –pensei alto e Yo Jin concordou com um aceno de cabeça.
-Todos estão ansiosos para saber quem vai ser o novo professor de história contemporânea! – ela falou, animada, e eu franzi minha testa.
-Já contrataram um professor substituto? –perguntei.
-É claro que sim! Correm boatos de que o novo professor é um gênio e que até já lecionou em Harvard!
-Então ele é estrangeiro?
-Aí é que está o grande mistério! Também estão correndo boatos de que ele nasceu aqui em Cheonan e não é um estrangeiro!
-Nossa! Se isso for mesmo verdade ele deve ter muita sorte, ou simplesmente deve ser um gênio como disseram!
Enquanto conversávamos, a porta da sala se abriu e por ela passaram dois homens. O primeiro era o diretor Jang Sang Woo, que estava com um sorriso de orelha a orelha. Quando inclinei minha cabeça para observar o outro homem, quase soltei um grito. Apesar das roupas elegantes e o cabelo penteado, aquele rosto era completamente familiar. Os olhos, que naquele momento já não refletiam mais ódio, dor ou confusão, pareciam serenos, e um sorriso contido, quase imperceptível, desenhava-se em sua expressão calma, bem diferente daquela que eu vi quando ele havia me atacado com toda sua fúria.
Sim. Era ele. Aquele rapaz que me fez chorar de tanta frustração. Uma criatura que eu não sabia bem o que era. Ele estava ali, bem na minha frente, há alguns metros de distância.
Meus olhos estavam arregalados, e apesar de meus sentidos estarem atordoados naquele momento, pude ouvir a voz animada do diretor Jang ecoando pelas paredes da sala:
-Caros estudantes do terceiro período de História, eu lhes apresento o professor substituto... Kim Jin Ho!